“Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)”
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)”
Manuel Bandeira
Manuel
Bandeira, na sua “Evocação ao Recife”, já demonstrara toda sua preocupação com o
crescente risco de perda do patrimônio poético das cidades. Aos poucos , as
ruas e logradouros vão sendo dilapidados pela substituição inconseqüente e
burocrática do seus nomes , por meros critérios políticos. Onde estão hoje,
aqui em Crato, as ruas da Saudade, das Laranjeiras, das Flores, a Formosa, a do
Fogo, da Pedra Lavrada e a Rua Grande ? Seguindo
a premonição do nosso poeta pernambucano,
foram amputadas dos seus dulcíssimos nomes , batizados um dia pela doce língua
do povo , sapecando-se-lhes epítetos sem nenhuma relação causal com a história
da cidade como: João Pessoa e Senador Pompeu.
A homenagem, que em geral, tem a intenção de perpetuar a memória dessas figuras
, funciona ao contrário, quase como uma íntima vingança do povo ao acinte :
tornam-se nomes apenas, ninguém sabe quem foram e que importância política um dia
tiveram. Como todas as coisas na face da terra caminham, inexoravelmente, para
o esquecimento amplo, total e irrestrito.
Muitas
vezes, no entanto , a revolta ao acinte é mais pronta e violenta. Meses atrás,
um bêbado, no Seminário, cheio das meropéias e , consequentemente, das razões,
começou a gritar, no meio da rua, contra aquilo que lhe parecia um abuso: a
substituição do nome da Rua da Misericórdia pelo de Diógenes Frazão.
---
Mas era só o que tava faltando, mesmo !
Meu pai nasceu aqui nessa rua que sempre foi da Misericórdia. Minha mãe casada
veio morar na rua da Misericórdia ! Eu e todos meus irmãos nascemos na Rua da
Misericórdia! Quem diabos foi esse corno do Diógenes Frazão ? Quem conheceu
esse filho da puta por aqui ? Diógenes
Frazão é uma porra ! Diógenes Frazão é a puta que pariu !
Como
sempre, nosso pau-d´água ligou a matraca e não parava mais de falar e nem
conseguia mudar o assunto. Mudavam apenas os palavrões contra o pobre do
Diógenes Frazão que não tinha nenhuma culpa pelo ato da Câmara Municipal. Havia
sido Major da Guarda Nacional e fora proprietário da aprazível Bebida Nova que, graças a Deus, ao
menos até ali não tinha perdido o seu bonito nome original. A cantilena seguiu
rua abaixo e ele, cheio do quequéu , nem percebeu a aproximação de uma viatura
do Ronda do Quarteirão. Ouvindo tamanha balbúrdia, desceram do carro e
abordaram o desordeiro. Ele resolveu recolher os impropérios dirigidos a
Diógenes, dirigindo-os , agora, diretamente para os soldados e o pau comeu no
centro. Apesar do nome da rua, os samangos não tiveram misericórdia. Deram uns
conselhos de cassetetes e o levaram em cana. Soltaram-no no outro dia, numa
ressaca dupla : a da peia e a da cana.
Consta
que nosso bebinho voltou manso, ainda com a cara inchada dos conselhos .
Tardizinha resolveu ir --- santo, santo --- para a novena de São José. Assistiu
a toda missa concentradíssimo, como se
estivesse na Capela Sistina. Na hora da “Salve Rainha” , orou com toda
convicção :
--
“ Salve Rainha...”
No
próximo verso, no entanto, demonstrou , claramente, como tinham sido
importantes os ensinamentos aplicados pelo Ronda:
--“
Mãe de... Mãe de ...”
Lembrando
ainda claramente do peso dos cassetetes, mostrou-se atualizado e, ao invés de “Mãe
de Misericórdia”, corrigiu prontamente :
--
Mãe de Diógenes Frazão...
J. Flávio Vieira
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