TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 11 de agosto de 2013

CARTA AO MEU PAI CARLOS SALATIEL DE ALENCAR



Meu querido papai, Dia desses passei por um procedimento de raspagens de alguns sinais no rosto e, naturalmente, em seguida fui ao espelho do consultório pra ver como estavam os curativos. Tomei um susto: eu era você! Com os mesmos sinais, a mesma calvície, a mesma testa com algumas marcas de batidas na parede pela nossa energia ativa e pressa de viver, os óculos de graus e, agora, obrigatoriamente terei de me acostumar com aquela boinazinha – quem sabe, verde, igual a que você usava! –para que me livre dos malefícios dos raios solares na pele do meu rosto de branquelo.   Sabe, meu pai, cheguei aos 60 anos (!) e  estou a me acostumar com a maturidade, coisa bem difícil mas, como sempre, tiro uma onda danada com esta “melhor idade”. Agora, mais ainda, é que faço somente o que me interessa e ainda por cima acobertado pela justificativa de uma possível senilidade. Não tenho nada a reclamar porque com o “pacote” da maturidade vem também a serenidade e uma certeza de que viver “é uma bênção” como dizem os evangélicos. No meu aniversário, que comemorei até à exaustão, lembrei-me demais de você e do que repetia:


- Se chegar aos 60 anos já me bastou a vida porque a velhice é a pior doença!  É compreensível o medo da velhice: a solidão, o abandono, a dependência, tudo aquilo que não gostamos quando a nossa juventude ainda aflora. Mas, você nos deu um exemplo valioso e que soubemos preservá-lo ao cuidar dos seus pais na velhice com tanta dedicação que até ficávamos com ciúmes. E, pelo exemplo, é que cuidamos de você com tanto carinho assim que precisou e por isso é que temos a certeza de que teremos alguém ao nosso lado quando for preciso. Foram muitas as vezes que fiquei a observá-lo deitado ali no sofá, já aos 80 anos, com as suas mãos pequenas massageando uma à outra e olhando para dentro de si mesmo e sorrindo, um sorriso meio maroto e sem vergonha de ter vivido a vida de um jeito seu, o seu jeito de ser feliz: a boemia da juventude, as conquistas amorosas nas serenatas cantando com sua bela e expressiva voz de tenor , o casamento aos 21 anos com a minha mãe  -Mariosa!  –uma esposa compreensiva, companheira durante toda a vida e que comemorou com você a geração e o nascimento de cada um dos seus doze filhos,  a imersão no jogo político da cidade que lhe foi tão cara, o entendimento e o destemor de sair daquela pequena e querida cidade, o nosso berço natal, no momento exato para possibilitar a educação dos filhos e com coragem hercúlea  vencer os desafios que lhe aparecessem pela frente,  vibrar com o sucesso de cada um dos filhos nas escolhas profissionais - até orgulhar-se de mim como artista! - , chorar a perda dos seus irmãos queridos que nos deixaram antes de você, sofrer com o glaucoma que tirou a luz que entrava pelos seus olhos pequenos mas não conseguiu  tirar a luz e a alegria que emanava de dentro de você e que se evidenciava naqueles momentos em que ficávamos a sós – aos domingos quando todos iam rezar ! - e desobedecíamos todas as recomendações médicas: tomávamos café,  eu acendia o seu cigarro, provávamos da rapadurinha com gosto de amendoim, etc. e tal. Mais, o que eu quero dizer mesmo é que você faz uma enorme falta aqui entre nós e se depender dos seus filhos, netos, bisnetos , noras e genros, você nunca será esquecido.

Com muitas saudades, carinhosamente,
Seu filho Luiz Carlos
Crato-CE, 11 agosto 2013