A ex-secretária de Cultura do Estado do Ceará,
a pesquisadora e gestora cultural,
Claudia Leitão foi uma das principais formuladoras e incentivadoras da
Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura. A professora acredita
que é avalia que o Brasil avançou na dimensão simbólica e cidadã nos últimos anos,
mas ressalta que é preciso avançar no campo econômico da cultura.
Alexandre Lucas - Quem é Claudia Leitão?
Claudia Leitão - Uma
professora e pesquisadora brasileira, uma gestora cultural apaixonada pela
reflexão sobre as políticas públicas de cultura, especialmente, sobre as
conexões entre a cultura e o desenvolvimento.
Alexandre Lucas - Como se deu sua inserção no campo das
Políticas Públicas para Cultura?
Claudia Leitão - Eu me graduei em
Direito e, em seguida, em Música. A cultura e o conhecimento científico sempre
atravessaram a minha vida. De início, através dos estudos da flauta, no
Conservatório Alberto Nepomuceno, em Fortaleza. Depois, graças ao meu
doutorado em Sociologia na Sorbonne, em Paris. A descoberta da cultura,
na perspectiva das políticas públicas, acontece dentro da minha trajetória
acadêmica na Universidade Estadual no Ceará, quando coordenei a primeira
especialização em Gestão Cultural. Mas, certamente, meu grande
"mergulho" no universo das políticas públicas da cultura se deu
quando fui secretária de cultura do Ceará, entre 2003 e 2006. Esses quatro anos
mudaram meu olhar sobre meu Estado mas, também, sobre minha vida acadêmica. E
esse "divisor de águas" se dá quando, no início da minha
gestão, inicio com minha equipe o planejamento da Secult. O Plano,
produto desse processo, tornou-se um documento fundador de nossa gestão, uma
declaração política da nossa decisão de trazermos para o Estado a tarefa de
liderança na formulação, implantação, monitoramento e avaliação de políticas
públicas (e não governamentais,!) de cultura. O mais interessante foi a
coincidência de termos, naquele momento, chegando ao MinC, o ministro Gilberto
Gil. Esse "encontro" foi muito inspirador e resultou em muita
cumplicidade entre o Ceará e Brasília durante quatro anos.
Alexandre Lucas – Fale da sua trajetória:
Claudia Leitão - Minha graduação em Direito me levou a
fazer mestrado em Sociologia Juríica na USP. Minha licenciatura em Educação
Artística me instigou a fazer doutorado em Sociologia na Sorbonne. Penso
que essas formações que parecem díspares, são absolutamente necessárias e afins
quando falamos em políticas públicas e gestão cultural.
Alexandre Lucas – Um dos focos da sua área de pesquisa
é o desenvolvimento sustentável. Qual a relação entre cultura e
desenvolvimento?
Claudia Leitão - As
relações entre cultura e desenvolvimento são antigas, mas a sua compreensão vem
se transformando, especialmente, ao longo do século 20. De início, a cultura
foi considerada uma variável determinista do desenvolvimento e, por isso,
tornou-se praticamente um "fatalismo" a favor ou contra o chamado
"desenvolvimento" de povos e civilizações. Essa visão foi responsável
por inúmeras intervenções ou projetos equivocados de desenvolvimento, quase
sempre "exógenos" e, por isso, distantes dos desejos das populações
para quem foram destinados. Nas últimas décadas do século 20 e início do século
21, inicia-se uma etapa mais alvissareira nas relações entre cultura e
desenvolvimento. Ela vai dar lugar a uma visão "endógena" do
desenvolvimento, ou seja, a um "desenvolvimento com envolvimento" das
comunidades e populações. Nesse momento, a cultura deixa de ser uma
"condenação" mas passa a ser um a priori para o empoderamento e o
protagonismo dos indivíduos. E mais. A cultura passa a ser considerada pela
Convenção da Diversdade Cultural, produzida pela Unesco, como o quarto pilar do
desenvolvimento, ou seja, a cultura passa a qualificar os modelos de
desenvolvimento no novo século.
Alexandre Lucas – Como você avalia a políticas públicas
para cultura no Ceará?
Claudia Leitão - Um dos problemas
relativos às políticas públicas no Ceará, mas também em todo o pais, sejam essas
políticas culturais ou não, é o relativo à continuidade ou à perenidade das
mesmas. Políticas de Governo no Brasil ainda são compreendidas e tomadas como
políticas de Estado. O resultado é que muitas políticas, programas e ações
sofrem com sua descontinuidade. No plano federal, estadual e municipal essa
problemática acontece e é danosa para o Brasil.
Alexandre Lucas - O que é a Economia Criativa?
Claudia Leitão - O conceito de
economia criativa está em construção, especialmente no Brasil, um país que
poderá liderar, na próxima década, a construção de um modelo de desenvolvimento
local e regional para o mundo, a partir da formulação de políticas públicas
para a criação, produção, circulação, difusão, consumo e fruição de bens e
serviços culturais e criativos. A dinâmica econômica dos bens intangíveis não é
a mesma da indústria tradicional. E, por isso, carece de estudos e pesquisas,
para que sejam produzidos diagnósticos dos setores culturais, em suas
especificidades, além da necessidade de se mapear as vocações regionais. Mas,
não tenho dúvida que a diversidade cultural brasileira poderá se tornar um
ativo econômico importante para a inclusão produtiva em nosso país.
Alexandre Lucas - Uma das críticas a Economia
Criativa é sobre risco de mercantilização da produção artística. Como Você ver
essa questão?
Claudia Leitão - A ausência de
políticas públicas que intervenham e estabeleçam regras para os mercados, acaba
permitindo que essas mercantilização se dê da forma radical e excludente.
Por isso, é tarefa do Estado enfrentar as assimetrias produzidas pelo sistema
capitalista, estabelecendo as " regras do jogo" para a
economia,especialmente, para a economia da cultura, garantindo, enfim, sua
sustentabilidade.
Alexandre Lucas - A partir da gestão do primeiro Governo
Lula o país vive uma nova conjuntura no campo das Políticas Públicas para
Cultura, o que gerou um novo protagonismo dos movimentos culturais da cultura.
Qual a sua percepção em relação a essa questão?
Claudia Leitão - Penso que a partir
do Governo Lula, o Ministério da Cultura alçou novos patamares na formulação de
políticas públicas para a cultura. O programa "Cultura Viva" é o
exemplo de uma política cultural que privilegia e reconhece a ação dos
pequenos, ou seja, daqueles que produzem cultura nos territórios mais longínquos
do país. Mas, se o MinC avançou nas dimensões simbólica e cidadã da cultura,
considero que a dimensão econômica necessita ainda avançar. Os desafios da
Secretaria da Economia Criativa são grandiosos: produzir dados confiáveis sobre
o campo cultural e criativo brasileiros, formar profissionais qualificados,
oferecer fomento aos empreendedores criativos e definir marcos legais que
permitam o florescimento da economia criativa brasileira.
Alexandre Lucas - Um dos grandes desafios para as
políticas públicas para a cultura é a criação de um marco legal que
garanta a sustentabilidade financeira. Como é o caso da PEC 150 que prevê a garantia
de 2% do orçamento da União, 1,5% dos Estados e 1% dos Municípios para a
Cultura. O que representa isso para o desenvolvimento do país?
Claudia Leitão - Aos poucos, o campo
cultural vai conquistando garantias jurídicas. Os "direitos
culturais", direitos de terceira geração, hoje são considerados direitos
humanos fundamentais. A legislação recém aprovada do Sistema Nacional de
Cultura é estratégica para o avanço da políticas públicas de cultura no pais.
Mas, não acredito que a PEC 150 seja aprovada a curto prazo. De qualquer forma,
outros marcos legais precisam ser criados, e talvez sejam mais viáveis a curto
ou médio prazos. São marcos trabalhistas, previdenciários, tributários, civis,
administrativos, entre outros. Precisamos de uma Frente Parlamentar da Economia
Criativa Brasileira, antes que os chineses inviabilizem as dinâmicas econômicas
dos nossps bens e serviços culturais.
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