Dr. Umberto Hernandez ficará na
história do Cariri como um dos primeiros
Neurocirurgiões a se radicar na
nossa região com um continuado e profícuo exercício que salvou incontáveis
vidas. Numa época em que já proliferavam as motos como meio popular de transporte e sua consequência inevitável, os
politraumatismos, a Neurocirurgia , estrategicamente, postava-se na fronteira
entre a Vida e a Morte. Dr. Umberto
vinha de Cuba, já maduro, com uma larga experiência no seu ofício e trouxe
consigo outras louváveis virtudes: uma profunda visão social da Medicina; uma
ética acima de qualquer mácula; uma enorme aversão a qualquer tentativa de
exploração da sua digna atividade; o desprendimento e a humildade de formar
outros profissionais qualificados. Consta que depois de um trabalho diuturno e benéfico, por longos anos,
terminou sendo denunciado por alguns de seus pares e precisou retornar ao seu
país.
Lembrei-me
dele nos dias atuais quando se gera enorme polêmica com a vinda de outros
profissionais estrangeiros no Programa Governamental Mais Médicos. Gostaria de dar minha visão, um pouco na
contra corrente do pensamento médio institucional, no que tange à questão.
Temos enormes disparidades na distribuição de profissionais num Brasil, onde ¾ dos médicos se alojam estrategicamente,
e não por mero acaso, nas regiões Sul e Sudeste. A tônica da Medicina desde o Século XX tem sido, claramente, uma atenção
direta com a forma Terapêutica e um afastamento da sua face Preventiva.
Formamo-nos médicos para tratar as pessoas e não para prevenir os males que por
acaso podem ser evitados. Por trás disso tudo, claro, existe um grande e forte
movimento empresarial clínico- hospitalar e toda indústria farmacêutica,
para quem a Doença é sempre um vultoso
negócio. Durante todo o Século XX, a lógica eminentemente capitalista relegou a
prevenção ao subsolo e nomes como Osvaldo Cruz, Adolfo Lutz, Carlos Chagas, passaram a fazer parte de um
passado heroico e ultrapassado. A distribuição dos médicos, formados para
tratar quem pode pagar, fixou-se, prioritariamente, nas regiões mais ricas e litorâneas.
Os poucos que se aventuraram a , como
bandeirantes, adentrar o interior pobre do país, foram sempre vistos de forma preconceituosa
por seus colegas dos locais mais abastados: com poucas condições, estariam praticando uma Medicina atrasada,
própria de séculos anteriores. Por sua vez, a forte e importante onda
tecnicista que envolveu a atividade médica durante todo o Século XX, com
avanços importantíssimos e indiscutíveis
, não só aumentou a distância entre o praticado na capital e no interior, mas fez , também, com que os
médicos se tornassem cada vez mais técnicos e menos missionários. E o técnico é bem mais cartesiano, não lhe
passa pela cabeça a possibilidade de dois mais dois não serem exatamente
quatro.
O
SUS, no final dos anos 80, tentou dar uma reviravolta nesta ordem de priorização
do terapêutico ,em detrimento do profilático. Nasceu, no entanto, dentro destas
dicotomias inevitáveis : um sistema de viés socialista tentando ser instalado
num país de forte tendência neoliberal;
necessitando de médicos e profissionais com ampla visão generalista e
formando médicos especialistas e com forte formação terapêutica; buscando profissionais hipocráticos e se defrontando com médicos de
boa formação técnica , mas pragmáticos e amplamente antenados com o
Mercado. O sonho igualitário de trazer
Saúde para todos os brasileiros topou na exiguidade de recursos de um país em
desenvolvimento. Verba pouca foi destinada prioritariamente para a Atenção
Básica, levando ao colapso da Atenção Secundária. Mesmo assim, com todos os
percalços, conseguimos, com ações mínimas , abater drasticamente a Mortalidade
Infantil , a Desnutrição, as Doenças de Controle Vacinal, levando a um
invejável aumento na Esperança de Vida.
É
com essa visão particular e mais ampla que , como médico há mais de trinta anos
trabalhando no interior do Brasil, que vejo como inequívoca a necessidade de
contratação de médicos , seja lá de onde for, para trabalhar nos grotões desse
país. Vi luminares da Medicina Uspeana , dizendo que o médico não iria, por
nenhum dinheiro desse mundo, trabalhar nos locais mais miseráveis, porque lá,
sem nenhum recurso, não teria o que fazer e se desesperaria. Discordo
completamente dessa visão de Avenida Paulista. Estão querendo passar para todos
que os profissionais no interior desse Brasil nada estão fazendo, pois não têm
às mãos um Pet Scan ou uma Ressonância Magnética. Querem me convencer que Dr.
Leão Sampaio em Barbalha, nada representou; que Dr. Cícero em Campos Sales
teria sido dispensável; que Dr. Gouveia em Iguatu foi uma excrescência;
que Dr. Montalverne Guarany em Sobral era
perfeitamente descartável. Permitam-me
discordar dessa visão estreita e tosca. Cabe-nos lutar para que um dia , todos
os rincões desse país tenham as mesmas condições de acesso à Saúde , mas não é
justo que até lá profissionais médicos sejam impedidos de fazer o pouco que
estiver ao seu alcance para minimizar a dor, o sofrimento, mesmo cientes que
poderiam, sim, fazer muito mais, se assim condições existissem. Se se reparar
bem, não temos no Cariri os mesmo
recursos de Forteleza, Fortaleza não tem os mesmos de São Paulo e São Paulo,
por sua vez , perde para os dos EUA. Tudo é perfeitamente relativo. Jogar no lixo a vocação missionária hipocrática é o mesmo que arrancar a sagrada túnica de sacerdote que historicamente vestimos e nos imantou de um poder mágico e encantado.
Acredito
que, no presente momento – mesmo sujeito à cara trombuda dos meus pares-- a
contratação médicos estrangeiros é uma
necessidade imperiosa e, mais, é
preferível os cubanos pela forte formação em Medicina Social. Aprenderam a ,
com medidas simples, combater a miséria.
Seus achaques são bem mais próximos das nossas centenárias chagas. Sempre é bom
lembrar que os Indicadores de Saúde do seu país são os melhores das Américas
todas. Pasmem, ganham do Canadá ! Muitos dirão que estas conclusões são perfeitamente ideológicas,
mas todas as que se contrapõem a elas também o são. Os opositores babam de
fúria, não contra os profissionais, mas contra Fidel. Se os médicos que aqui
desembarcaram viessem dos EUA ou da Inglaterra seriam recebidos com flores e
fogos de artifício.
As
vaias que irromperam em Fortaleza contra os médicos cubanos denotam ,
totalmente, a nossa falta de foco. Almofadinhas, não somos acostumados às
manifestações públicas, coisa de proletários. Os colegas aqui chegaram num
projeto governamental. Não têm nenhuma culpa das nossas desavenças. Éticamente
devem ser tratados com educação e lhaneza. Os gritos de “Escravos!” “Escravos!” que ecoaram na Escola de Saúde
Pública vieram dos amplificadores da “Casa Grande” . A Senzala não merece
atendimento de médicos, já tem seus rezadores e meizinheiros. Já não basta ?
J. Flávio Vieira
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