Entrevista à
socióloga Valquíria Padilha ao site Carta Maior
O que são os
shoppings? – são espaços privados travestidos de públicos. Eles segregam,
impedindo a entrada de quem não tem poder aquisitivo ou quem não se adequa ao
ambiente do shopping, seja pelo modo de se vestir ou de se comportar. Eles
funcionam como clubes privados, escolas privadas, hospitais privados: são bunkers
onde as classes mais altas se possam sentir protegidas do mundo lá fora. São
templos do consumo para poucos.
E os rolerzinhos? –
Os shoppings são os símbolos do consumo: “compro, logo existo.”. Os jovens que
sabem que eles não lhes pertencem, estão forçando acesso a esse espaço como a
dizer: “quando a vem aqui a gente incomoda os burguesinhos que historicamente
nos desprezam”. Uma longa história de invisibilidade vivida pelos pobres no
Brasil está vindo à tona com essas “invasões” dos shoppings centers.
Esta é a luta de
shopping “um direito de todos? – a crença generalizara de que pertencer ao
shopping é alcançar a boa vida é a vitória da sociedade de consumo e um
fracasso da humanidade. Todos foram cooptados pela crença alienada de que só é
possível ser feliz assim. A ideologia consumista virou uma verdade absoluta.
Consumir roupas de marca e equipamentos eletrônicos não vão conquistar
liberdade ou emancipação. O desejo e a posse de mercadorias nos alienam a
todos. Quando critico a segregação social dos shopping centers não desejo como
solução que esses espaços sejam democratizados. Desejo que esses espaços sejam
eliminados.
E o que a sociedade
terá em troca? – que sejam substituídos por parques, espaços de cultura,
bibliotecas, cinemas, teatros, circos, escolas, tudo aberto a todos igualmente.
Uma sociedade emancipada e verdadeiramente rica precisa disso, e não de
shopping centers. Qualquer solução na contramão da ordem vigente tem status de
utopia, tamanha é a complexidade social. A publicidade é a espinha dorsal desse
sistema. Ela é a maior descoberta e o maior trunfo da sociedade de consumo
capitalista, manipulando desejos, criando necessidade, reduzindo sentimentos. E
atinge a todos da mesma forma: ricos e pobres, quem vive na cidade e quem vive
no campo. Na ordem do capital, não acredito em nenhuma resposta definitiva.
Humanizar o capitalismo, ao menos seria possível, mas não concordo que apenas
oferecer mais políticas públicas de lazer e cultura nas periferias seja a
solução, pois continua aí a segregação dos espaços urbanos, a cidade continua
dividida entre espaços para pobre e espaços para ricos. Isso não é solução, é
paliativo.
E os juízes que concederam aos
shoppings o direito de selecionar o acesso? – Os juízes que deram essas
sentenças deveriam perder o direito de julgar se nosso país fosse sério e
cumprisse a Constituição. É um absurdo autorizar o inautorizável. Um juiz não
poderia permitir que um espaço aberto ao público pudesse segregar.
Discriminação é ilegal. Racismo é crime inafiançável no Brasil. Esses juízes
deveriam ser presos. Os donos desses shoppings também.
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