Na religião católica existe o pecado por pensamento, palavra
e obra. O pecado, nesta religião, é irmão do perdão ou da remissão tão bem
exaltada na oração, quando se diz crer na remissão dos pecados. Haverá um
julgamento divino mas a generosidade do pai implica no perdão.
Agora a mídia nacional pegou o chicote e o brande contra a
sociedade desde a sua vitória espetacular do mensalão quando se utilizou a
teoria do domínio do fato para culpar pessoas. Partiu para acionar o domínio do
fato até em quem solta foguetes. Claro que com uma razão objetiva: este foguete
matou um dos seus.
O Professor Nilo Batista, titular de Direito Penal da Universidade
do Estado da Guanabara, ex-Secretário de Segurança Pública, Vice-Governador e
Governador do Estado do Rio, escreveu um artigo no blog do Professor Clécio
Lemos, expondo a fragilidade da imputação por crime doloso, do delegado de
polícia, feita aos rapazes envolvidos com o episódio do rojão que levou à morte
o cinegrafista da Rede Bandeirante.
Por mais que se revolte com esta morte gratuita, de um
trabalhador na sua tarefa de ganhar a vida, é preciso ir para a obra que é onde
o direito e o mundo real funciona. Pensamentos apenas são pecados porque a
religião vai até a intimidade das pessoas e preceitua normas e regras em
benefício do que considera a pureza do espírito.
O pensamento e as palavras podem expressar desejos (se bem
que palavras podem implicar em punição legal) mas a ação, ao querer fazer, a
obra é onde o direito pode efetivamente funcionar. Nilo Batista argumenta “nas dificuldades de imputar objetivamente ao
manifestante que acendeu e lançou ao solo o rojão o resultado morte do
cinegrafista”.
Ele aponta inúmeras fragilidades: rojões não são armas, são
licitamente comercializados, o seu uso em festas públicas é lícito, o seu
trajeto é errático e flexuoso, não tem mira certa, o rojão foi aceso no chão,
não visava a cabeça e foi lançado contra policiais protegidos que revidavam com
armas de controle que podem ser letais. E Nilo termina que talvez seja esta a primeira
vez de se imputar um homicídio doloso provocado por um rojão.
Com isso ele aponta que para imputação do dolo é preciso
determinar a causação adequada e cita Spinoza para melhor definir os conceitos:
“chamo de causa adequada aquela cujo
efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma; chamo de causa
inadequada ou parcial, por outro lado, aquela cujo efeito não pode ser
compreendido por ela só”. Por isso, levanta Nilo, se o delegado tentasse
uma reconstituição do ocorrido, iria verificar que o disparo do rojão não teria
um curso causal dominável pelo autor.
E Nilo Batista vai além, não se restringe a expor a
fragilidade da imputação da polícia judiciária, ele aponta para uma campanha
midiática perigosa e que agride o Estado Democrático de Direito. E termina seu
artigo com estas palavras: “O domínio do
fato, que fez as delícias de muita gente no “caso mensalão”, pode ser agora um
artefato teórico perigoso, se lançado ao caso do momento. Até quando as forças
políticas progressistas não se darão conta dos perigos que a hipertrofia do
sistema penal traz para a democracia? O sistema penal, Presidenta, também
pratica, e massivamente, seus malfeitos.”
Agora tem muita gente
que cultiva a boa prática cristã e que termina embarcando na punição como
solução principal.
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