Durante longos 10 anos, a chinesa Jung Chang e seu marido Jon Holliday se
deram à estimulante e trabalhosa tarefa de debruçar-se sobre os arquivos disponíveis
no Oriente e Ocidente, objetivando desnudá-lo por inteiro; entrevistaram centenas
de pessoas (dentre as quais muitos dos principais atores envolvidos intimamente
com a personagem principal, tais quais Henry Kissinger, George Bush, Imelda
Marcos, Lech Valesa, Richad Nixon e até o Dalai Lama); viajaram de Norte a Sul,
Leste a Oeste à busca de algum dado novo que eventualmente pudesse ter escapado;
e, alfim, nos presentearam com a mais completa e caudalosa biografia do líder
chinês Mao Tse-tung.
E o que emerge das
páginas de “Mao-A História Desconhecida” (Companhia das Letras, 954 páginas) é tão
grandioso quanto impressionante, ao nos apresentar em toda a sua crueza,
sordidez e pujança um homem obcecado pelo poder e disposto a vender a própria
alma a fim de atingir os objetivos colimados, independentemente dos métodos a serem
usados; nem que para tanto isso implicasse em deixar a ética de lado, relegar a
questão moral às calendas ou esquecer da existência de algo que se chamasse ideologia;
em seu juízo de valor, valia até trair aqueles que lhe dedicavam fidelidade
canina.
Megalomaníaco e disposto
a ser líder em uma China que comandaria o mundo (“...precisamos controlar a
Terra”) optou por transformá-la numa superpotência militar, porquanto “...o poder vem do cano de uma arma de fogo”. Para
tanto, aliou-se ao então líder soviético Joseph Stálin a fim de,
paulatinamente, construir o arsenal bélico necessário a tanto. Só que, como não
dispunha de recursos necessários para adquiri-lo, obrigou os chineses a
jornadas extenuantes e absurdas na agricultura, a fim de produzir os grãos
necessários ao pagamento das armas russas. Firmou-se então a parceria: da
Rússia armas e tecnologia para a China; em sentido inverso, toda a produção de
grãos era destinada à vizinha União Soviética; enquanto isso, os próprios
chineses passavam fome e sob um frio siberiano tinham que se valer de raízes de
árvores e até lixo para debelarem a fome (e ai de alguém que fosse pego
escondendo algo).
No mais, há relatos impressionantes
sobre a verdadeira natureza da Longa Marcha, nos anos 30; sobre a ajuda decisiva
da União Soviética ao Partido Comunista Chinês; sobre a invasão japonesa
durante a Segunda Guerra Mundial; sobre a epidemia de fome que varreu a China
matando mais de 70 milhões de chineses (que eram proibidos de comer, embora
existisse comida, sim senhor); sobre a Revolução Cultural, que estimulou a
prática da denúncia e instaurou o terror entre a população, e por aí vai.
Algumas
particularidades: foi Mao quem sugeriu ao líder alemão Walter Ulbricht a
construção do Muro de Berlim; Mao raramente escovava os dentes, tanto que nos
últimos anos sua dentadura era de uma negritude só; hidrófobo, passou 27 anos
sem tomar banho (preferia que lhe passassem uma toalha molhada no corpo); lá
pras tantas, sem nenhum escrúpulo obrigou o amador exercito chinês a se
envolver em confrontos suicidas, porquanto “... se metade da população chinesa
morrer, não fará a menor falta”; traiu seus principais colaboradores, chegando
a proibir o tratamento de um câncer terminal para Chou Em Lay, sua eminência
parda, porquanto este não poderia viver mais que ele: foi um marido por demais
infiel e um pai omisso, que não se preocupava nem um pouco com os filhos;
gostava do luxo e da comodidade.
Enfim, se você tinha
Hitler como a personificação da “besta fera”, um monstro horripilante em razão
do que aprontou na II Guerra Mundial, ao conhecer em detalhes a vida de Mao
constatará que o austríaco-alemão foi um iniciante, mero aprendiz, vulgar
amador ante ele: traição, tortura, fuzilamentos, sadismo, frieza, crueldade,
terror e tudo que você possa imaginar de ruim vigoraram na China naquele tempo.
Num ponto a
convergência é indiscutível e unanime: sob Mao, o povo chinês não apenas comeu
o pão que o diabo amassou; o povo chinês conviveu diuturnamente com o próprio
Lúcifer (os detalhes de certas mortes são horripilantes).
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