AS CIDADES VIVIDA – CAMPOS SALES
O
viajante flanava em lenta pesca de pensamentos, sonhos e amores, embaixo de uma
grande Timbaúba, sentado numa formação de raízes da enorme árvore, toda ela com
as cascas rugosas alisadas pelas inúmeras vezes que por lá se formaram rodas de
conversas e a modorra do meio dia, ocultava até os cantos dos passarinhos da
redondeza.
Estava
nas chegadas do fim do dia. Os pavões já rodeavam o velho tamboril quando nas
proximidades da galáxia notou-se uma perturbação. Pessoas a pé se aproximando
do velho casarão. Em seguida o viajante percebeu, no calçadão próximo, uma
reunião de homens, dois deles muito agitados.
Desse
modo começou a grande viagem a Campos Sales. Nunca por lá estivera. Mas sabia
ser uma referência de fronteira com o Piauí e o centro de encontro e fuga dos
Feitosa e Arraes dos Inhamuns. Além da legendária Tauá, Campos Sales, era um
centro comercial. Hoje recata o túmulo de Dona Bárbara de Alencar, a heroína
das revoluções republicanas. Já foi Várzea das Vacas uma fazenda em torno da
qual aconteceu o povoamento e depois Nova Roma em homenagem a um grupo de
italianos que por lá se fixaram.
Nada
disso o viajante viu. Convocado no calor das tensões em fuga, deveria pegar uma
Camionete Verde e Branca, de Cabine Dupla e rumar sem demora para Campos Sales.
Ele, o retirante e um filho, que seguia no banco da cabine de trás, com um
rifle atravessado nas coxas. Uma viagem de cordas de violão em dó sustenido
maior.
Ocultando-se
do trânsito da estrada principal, seguiu pela antiga e abandonada estrada, que
igualmente chega às Guaribas. Passou ao largo da casa de Pedro Belém, seguiu
pelo Engenho de Água do Doutor Elísio e subiu a íngreme ladeira, margeada por
cursos de água, com bicas saborosas de banho e cachaça.
Nas
Guaribas, o sol já se agasalhara por trás da serra, continuou pela antiga
estrada, na direção de Santa Fé, e lá no descortinar da mais bela paisagem do
Cariri, ainda percebeu uma lua cheia se levantando como um imenso fenômeno de
cores e sedução.
A
partir daí seguiu o túnel de luzes do veículo, embaixo da mata fechada em rotas
antigas, cruzou a casa de Mané Coco e seguiu na velocidade que a fuga permitia,
sempre com a visão de antolhos, não por anteparos à luz, mas por uma luz que
reconheceu o momento de revelação do que antes era apenas escuro.
Nenhum
assunto se tomou sobre a razão da repentina viagem a Campos Sales. Eram todos
tão familiares ao viajante, que este se deu por satisfeito com as observações
despertadas dos pequenos eventos no pleno das sete horas noites. Seja uma
coruja cruzando as luzes, os insetos vitimados pelo sólido em movimento, alguma
reminiscência dos tempos em andamento.
Aproximadamente
de duas horas e meia a três horas, a camionete circulou pelas ruas de passagem
do Araripe, focando alguns transeuntes que por lá se encontravam. E as pessoas
ainda saíam às ruas, a única coisa que poderia prende-las em casa era o acordar
da madrugada ou algum programa de rádio. Televisão não havia.
O
viajante nem mais lembrou-se da razão da visita repentina a Campos Sales. O
cantar inteiriço dos grilos, nas margens da estrada, alguma raposa cruzando o
facho de luz, o formato desigual da copa de alguma árvore desengonçada e as
horas minutando o tempo da rotação do mundo.
Finalmente
Campos Sales. Toda ela dormindo. Ninguém na rua. Onze horas e só para bem
depois os galos começariam a cantar. Com vagar, circulando por esquinas, ruas
retas, casas semelhantes à arquitetura sertaneja, comércio sem letreiros,
apenas com o nome pintado na fachada. Nenhum bar aberto. Apenas a camionete
circulando até chegar a um largo.
Ali
o retirante despediu-se e com passos apressados seguiu na direção da natureza
escondida da noite. O filho sentou-se ao lado do viajante e este, com olhar
atento à oportunidade, foi acompanhando as mesmas ruas por onde chegara.
Campos
Sales, um dia volto, porque não podes ficar inscrita na memória como um lapso
noturno de uma viagem. Duas horas da madrugada, o viajante desligava o motor da
camionete e foi deitar-se, relaxado, numa rede da velha casa ao lado da
majestosa Timbaúba.
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