AS CIDADES VIVIDAS - POTENGI
Um
viajante pelas vertentes da Chapada do Araripe, pode se aproximar de Potengi,
vindo pelos vales junto ao Planalto, segue pelo Latão, Morro do Ouro e Baixio
do Facundo. Ou, então, desce perto de Araripe e segue em direção noroeste.
Na
jornada encontrará um viajante atemporal, presente em todo o trajeto e em
qualquer século, que dirá: “quando em Potengi, encontre uma iguaria dos céus,
feita pela paciente Neuza. O doce de leite mais puro e saboroso da história.”
Neuza, Neuzinha, Dedé, Zé, Agamenon, com a memória do tempo e o sabor cremoso,
a desmanchar-se na boca com a certeza que não provará doce de leite igual.
Outro
dizer apontará a permanência icônica de Seu Luzim, com a paciência dos grandes
líderes e o ímpeto emancipatório, a transformar em município o que já era,
então, distrito de Potengi, vinculado a Araripe. Acontece que na memória mais funda do viajante
ainda o enunciado do “xique-xique” que um dia foi.
Nos
campos sertanejos, de pedras e jardins de cactáceas e muito pé de Imbé, nas
locas dos lajedos ou dos morros de granito, habitat natural de mocós e onde os
bode e cabras dão saltos na beirada dos abismos. Nas manhãs, os cabeças
vermelha despertam a alma e pela metade as rolinhas “fogo-pagou” dão pontos e
vírgulas às narrativas do tempo. Ao final do dia o cantochão da rolinha
“caldo-de-feijão”, quase uma “tristesse” de Chopin.
Quando
o viajante pensa no riacho Brejinho, passeia em suas margens, seco a maior
parte do ano e retorna à cidade, o seu reencontro é no mercado com seus bares,
cafés e pequenas lojas. Nada acontece, ou se sabe, se não sentados em cadeiras,
com assento de couro ensebado pelo tempo, um café coado e adoçado, acompanhado
de um bom pedaço de “bolo-de-milho”, com um sabor apenas encontrado naquele
tipo de comércio.
E
seu Françuli? Cavando as covas para despejar milho ou feijão e escuta o barulho
estranho de uma aeronave, mais alta que um urubu. A enxada parada e ele na
ponta do cabo com os olhos pregados no céu. E viajou nos ares pela força do
olhar, numa viagem que durou uma vida toda. Um museu da aviação em pleno
sertão, todo o acervo criado por seu Françuli faz os visitantes voarem na criação
humana. A criatividade do povo de Potengi.
Coroa-de-Frade.
Mandacaru. Xique-Xique. Rabo de Raposa. Juazeiro. Umbuzeiro. Cajarana. O velho
Antônio Dão se entocou na loca de pedra, lá no alto, de onde tinha uma visão de
léguas à frente. Ele, um rifle do papo amarelo, munição, uma cabaça de água e
pedaços de rapadura e fumo num embornal. Se o campo estivesse sem estranhos à
vista, acenava e um prato de comida lhe era entregue.
Lagoa
do Gravatá e o açude de Zé Alves são pedaços do paraíso e não porque fossem apenas
belos e cheio de vida, mas porque era água, daquelas águas que inundam o
coração do viajante. Pelos lados do norte, o viajante chegará ao Baixio do
Facundo, terra dos Libórios, de onde uma belíssima mulher se criou, elegante,
cavaleira e com olhar de mando da altura do encanto do Coronel Chico de Brito.
Morena Libório, um dia chegou ao litoral pernambucano e naqueles recifes sorveu
o tempo, que ainda inventou depois daquele do Baixio e outro no Crato.
O
viajante, com a barra do sol quebrando, foi saindo para novo destino, ouvindo a
sinfonia dos martelos sobre a bigorna, como dezenas de arapongas, dando aos
metais as formas da utilidade. E foi saindo sem uma resposta sobre a razão de
Potengi ser dito Potengi, que em tupi guarani quer dizer rio de camarões. É o
nome de um rio histórico do Rio Grande do Norte, o Potengi que desemboca na
altura do Forte dos Reis Magos.
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