AS CIDADES VIVIDAS – BARBALHA
Quem
chega a Barbalha, pelas vias principais, sempre atravessa grandes canaviais.
São rotas úmidas, com perfume adocicado e algumas fragrâncias fermentadas. Na
passagem, a lateralidade é obstruída pelo verde e pendões, restando a esticada
rota invadida por palha seca e o céu azul como uma tampa sobre aquela floresta
baixa.
Das
três contas da joia caririense, Barbalha é aquela que mais se guardou no
interior da caixa nacarada que contém a preciosidade regional. Na rota vinda de
Juazeiro do Norte, o viajante se depara com um muro, que lembra as cidadelas
medievais, onde se escreveu: “alto lá senhores protestantes, Barbalha de Santo
Antônio, já foi evangelizada.”
O
viajante se defronta com um burgo de castelos e um silêncio de tempo no qual
não se ouve os estalidos da modernidade vingativa, que incendeia todas as
outras cidades, mas não parece acontecer em Barbalha. Um traço da personalidade
da cidade são as moças louras, de olhos claros, diáfanas como um sonho de
branca de neve, que nos desperta o desejo de lhes oferecer um naco entorpecente
de maçã.
Numa
rua de Barbalha todas as casas são patriarcais. Menos a casa de tia Tetê. Era
ela uma matrona com olhar de decisão e uma acolhida de relaxar o viajante.
Naquela casa, todos os cômodos experimentaram várias gerações humanas. Por isso
o mobiliário era centenário, na coleção sempre a lembrança de alguém que já se
fora ou de quem ali permanecia. Sobretudo nos habitantes, a postura imperativa
com uma aura solene que albergava séculos de histórias d´além-mar.
No
labirinto de aclives e declives, das ruas de Barbalha, o transeunte é capaz de
ouvir o grito forte do almuadem, anunciando outro conteúdo que não a oração
muçulmana. Uma boca eletroeletrônica estonteia a audição anunciando a próxima
sessão do Cine Neroli, que tanto resistiu ao tempo, até que foi condenado pela
inquisição televisiva com suas novelas em substituição aos dramas
cinematográficos.
Na
Praça Central, quando em época das festas de Santo Antônio, o padroeiro deu um
sentido pleno jamais visto nas outras cidades. Dias próximos ao evento, uma
multidão de homens, uma banda cabaçal, panos para os ombros, garrafas de
cachaça e os machados cantando no meio da mata. Depois uma procissão,
carregando um longo tronco de linheira árvore, até finca-lo no centro da praça.
Em Barbalha era o “pau-de-Santo-Antônio”.
Barbalha
é um meio entre a subida e a descida. Ao descer se dilui no imenso canavial e
ao subir evola-se pelas encostas da Chapada do Araripe, numa inclinação tal que
a respiração fica mais rápida que o suspiro dos motores a vapor dos engenhos.
No primeiro anel da marcha, encontra-se a vila do Caldas com sua gruta de águas
cristalinas e um silêncio apenas melodiado pelas diversas espécies de pássaros
das matas vizinhas.
O
ritual mais intenso da solidão, acontece das seis horas em diante, numa calçada
alta do Caldas, com tudo escurecendo, os pássaros silenciando e as luzes se
acendendo na distância impossível de por lá se resolver. Qualquer que seja a
proposta, nunca aceite uma insônia em tal ambiência, quando todos dormem, os
lampiões se apagaram e apenas sombras de caibros, linhas e telhas, numa
latência que tanto pode implodir o corpo como explodir a alma.
Porém,
tudo isso são as impressões dos viajantes por estas cidades vividas. Jamais um
natural dali, teria esta calda de angústia que acompanha os cometas andantes do
firmamento.
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