AS CIDADES VIVIDAS – JUAZEIRO DO NORTE
O
viajante para chegar a Juazeiro do Norte deve incorporar-se às léguas tiranas
dos sertões, nos passos das almas em busca de salvação. Um companheiro de
jornada, falava, com fervor, da qualidade das cunhas que fixavam as enxadas até
nas covas dos legumes plantados em terreno pedregoso.
Dizia
ele: é mais importante do que este monte de carne e osso, pois é com ela que
alimento o arranjo. É mais importante do que tudo acontecido desde que
separaram-me do cordão umbilical que me ligavam às águas da minha mãe. A cunha
da enxada bem ajustada é como o palácio de um rei.
Juazeiro
é um grande lago de gente, que recebe tributários da totalidade da rosa dos
ventos. Na carroceria do “pau-de-arara”, embaixo da lona enfornada, na poeira
batida pelo calcanhar da corrolepe, ajustando a carga do jumento, no passo das
ladainhas e das cantigas de peregrinos.
E
como uma cidade, cuja natureza são os moradores e moradias, pode ser um lago pondo
em risco as posses, onde todos vão do modo como podem, do jeito que a fé lhe
conduz? Estes são os segredos de Roma, de Meca e Medina. Tudo é igual em
trabalho e vida, o que os distingue são as quantidades em atribuições de
valor.
Deste
o Arco dos Salesianos, os segredos, os mistérios da fé, os enigmas, os
caprichos do destino, os desfechos de vida e morte, na insustentável existência,
se fundem nas estações suplicantes e desenhadas como os benjamins da Praça
Padre Cícero.
Por
onde passe, seja na Igreja dos Salesianos, no Santuário dos Franciscanos, na
Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores, na capela de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro e na subida do Horto, tudo sustenta as multidões que
desembocam naquele lago com face de eternidade.
Sei
bem que nada sou e nada levo deste mundo. Ninguém me conhece, não tenho nome e
nem parentes. Sigo os preceitos da fé dos meus antepassados, aceitando o
destino, mesmo escrito por outras mãos que não as próprias. Por isso este lago
de gente, no qual sou uma gota, não se rebenta e extravasa. Pelos preceitos e
destinos assinalados.
Hoje
levo um terço para Das Dores, um retrato do meu Padim, um pano para Zabé, levo
porque é esta mercadoria sagrada que tudo acalma, tudo acomoda, a tudo explica.
Acalma as dores do sol consumindo, em chama alta, o meu estoque de tempo.
Acomoda o sangue das balas da tocaia, explica porque deixei minha roça no tempo
de bonecar. A menina negou-se ao filho do patrão.
Como
não tenho outro valor de corpo e alma, ajoelho-me aos pés deste terço, deste
retrato e deste pano como se fossem tudo o que resta de valor na vida. E assim
ouvindo aquele com quem andei nas estradas de chegada, fomos deixando Juazeiro
do Norte pelas mesmas rotas. Levando um desejo de um dia ser tão igual no céu
quanto não somos na terra.
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