AS CIDADES VIVIDAS – ROSÁRIO DE MILAGRES
Antes
de chegar ao destino antropofágico do centro imaginário, quando corpos
emagrecidos foram postos a engordar e uma espécime entre todos, fora escolhida
por apaixonada donzela da tribo cariri, para uma fuga milagrosa, eis que saindo
da “cidade de passagem” toma-se encostas divisadas a belas planícies.
Numa
alça da rodagem, declivada em tonturas de velocidade, no destino oeste a leste,
à direita de quem segue, bem ao final da curva, um casarão sertanejo, assim
dito porque lembra, mas com finalidades distintas, porque é ali o “Café da
Linha.”
Um
Expresso de Luxo nas bordas do vale do Riacho dos Porcos, afluente do Salgado.
Café, leite gordo da vaca mimosa, cuscuz com manteiga feita na casa, queijo de
coalho assado, costela de carneiro (ou bode), um rebuliço de gente servindo e
outras comendo.
Depois
a vista é só paisagem esticada com a curva de um universo inteiro. Então o
passageiro toma à esquerda, ao final de uma rota e a caravana segue na trilha
de massapê que dança a condução, jogando a traseira para um lado e outro. Uma
dança do ventre típica das épocas chuvosas.
Quando,
então, desemboca-se no que se diz, naquelas terras de chuvas temporárias, numa
passagem molhada. Uma parede que barra a vazão do Riacho dos Porcos e mesmo o
passageiro transitando sobre borrachas e aço, tem a sensação hídrica de uma
navegação submarina.
Ao
final cai na Vila de Rosário. Um largo como de uma aldeia tapuia, meninos nus
pela paisagem ampla, cabras observadas sobre pontas de pequenas pedras, porcas
amamentando uma ninhada, índios europeizados e africanizados sentados na
estiagem do trabalho. Conversa em cantochão como se numa devoção mariana.
Enquanto
o olhar em trânsito observa aquela vila do Rosário em meditação, uma solidão
interior abala o passageiro que percebe o ciclo dos três mistérios desde a
anunciação dos eventos (gozosos), sua agonia (dolorosos) e sua ressurreição
(gloriosos). Sabe o transeunte que a ressurreição é outro estágio, muito
distinto do nascimento. Porém muito mais intenso porque Rosário ressurgiu como
Podimirim.
As
ninhadas de porquinhos, mamando as tetas sem amanhã, dão aos podimirins um
sofrimento castigado numa sina de males e balas, de trilhas impedidas, do largo
esvaziado, mesmo que com os cariris conversando pacificamente ao tecido da
visão passageira. Antes que se atinja o canavial a seguir, o transeunte ver nas
nuvens Badzé atendendo aos pedidos de Poditã ensinando os segredos do cachimbo
de ervas mágicas e do cauim da jurema preta.
Então
estamos em Milagres. Com suas ruas curtas e tortas, seu casario de século XIX e
XX, no estilo bem típico de quando os veículos de transporte eram outros, a
iluminação caseira de chamas e o fogão em fagulhas. Mas para afago do Vale dos
Cariris foi ali que a Companhia Hidroelétrica do São Francisco implantou sua
estação de distribuição.
As
cidades vividas nunca são uma paisagem de passada. Elas são uma efluência de
mistérios e histórias prontas.
Um comentário:
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