Entra ano e sai ano e os artistas do Crato continuam ensaiando a mesma cantilena de sempre. A luta por um espaço na ex-pocrato já se tornou lendária e caricatural. Até parece que a ficha é dura de cair. A festa não é mais da cidade, desde que Joquinha abandonou a ladeira; desde que na nascente não nasce mais nada, só morre; desde que água limpa na cascata é só lorota; desde que a capital destituiu a cultura e deixou só o Crato, na ilusão de ser a capital da cultura. Acredito que a luta deva ser outra, através da associação e das parcerias.
São muitas as incoerências nessa lengalenga em dízimas. Desde que eu me entendo como gente andar entre as panelas é fazer parte da panelada. Se existe uma crítica veemente contra as atrações que ilustram essa patética desilustração bufa que é a programação da ex-pocrato, por que fazer parte dela? Será que é por causa do público? Justamente aquele que tanto prestigia e espera ansiosamente pelo momento mágico de estrear a roupa nova no show dos Aviões do Forró? Ou será que é a expectativa de mudar inteiramente a qualidade das apresentações apenas com os nomes da “terra”?
Andar de pires na mão desqualifica. E é isso justamente que pesa nessa bagagem da obscuridade, cheia de pedras lascadas. O sentimento de propriedade tanto alardeado não é seguido pela legitimação da representatividade. Falta corpo. Falta corporativismo. Falta politização. Falta o reconhecimento prático dos talentos até entre os próprios artistas, que dificilmente assistem aos shows dos próprios colegas, por exemplo. Até as prostitutas, mediante as humilhações recorrentes, se organizam, por exemplo. Até os camelôs, mediante as ameaças de extinção, se organizam, por exemplo. Até os artistas do Crato, de todos os segmentos musicais... não, esses não se organizam nunca, por exemplo.
Olhar para trás e olhar para trás é o voto de devoção de uma fatia significativa dos cratenses, que se apegam a essa tábua de salvação como o carrapato gruda na orelha do cão que passa o tempo lambendo a própria sombra. O tradicionalismo social e cultural do Crato é uma caixinha de chiclete Adams amassada, jogada entre as pontas de cigarro continental, esperando a última sessão do Cine Cassino. Gastamos tanto tempo olhando para trás que o presente é uma luz que ofusca demais, impede da gente ler a expressão off line escrita em nossa lápide.
Nossas políticas públicas para a cultura, faz tempo, são tão dinâmicas e atuais quanto o carro-de-mão de Noventa, que ainda em fantasmagoria está pronto para carregar no tempo, dando voltas na Siqueira Campos, o nosso orgulho cultural interditado. Agora só nos resta protocolar o dedo paleolítico da inquisição e apontar o orgulho e o bairrismo de outros que organizam publicamente e em parceria eventos como o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga; o Festival de Inverno de Garanhuns; o Festival de Verão de Ouro Preto; a Mostra Internacional de Música Clássica de Maringá...?
O tempo é outro!!!! Perdemos o bonde das provisões culturais, enquanto tomávamos um cafezinho na cinelândia. Há muito que a cultura existente na ex-pocrato foi emoldurada em um cartão-postal, pronto para ser exposto como ex-voto em um futuro museu dedicado a Elói Teles. Enquanto isso continuamos em busca de falar com o prefeito, com o amigo do governador, com a avó do ex-deputado suplente, com o vaqueiro da vaca parida, para ver a possibilidade de se apresentar às seis horas da tarde ou às cinco da manhã de uma segunda-feira, ganhando um cachê de seiscentos reais, é claro.
Em Recife existe o Abril Pró-Rock, uma iniciativa privada de um festival que começou pequeno, só com atrações da “terra” e hoje tem nomes internacionais em sua programação. Em Natal existe o Mada, um festival de música alternativa que começou com duas bandas do Rio Grande do Norte e duas bandas de Pernambuco, com o advento das associações, hoje é um mega festival. Em Brasília existe o maior festival da música alternativa do Brasil, em que as associações musicais espalhadas por esse sertãozão de Guima, dão suporte e indicam as atrações, com sonorização e iluminação de primeiro mundo, tudo organizado via Internet, por dois garotos, um de 22 e outro de 21 anos. Aqui há de se considerar que a concepção de festival não é aquela do Festival Internacional da Canção, do final dos anos 60.
Mas o Crato é a capital da cultura e a ex-pocrato é mais importante do que rapadura. Aqui nós temos a ex-pocrato e não temos mais engenhos. Mas é aí onde está o doce da tradição. Mais moderno do que isso só mesmo uma possível Associação Benemérita dos Notáveis Cratenses em Defesa da Cultura Popular, que disponibilizará para download na web, por apenas um real e trinta, faixas do último cd da última banda cabaçal, antes da mumificação, minutos antes da hora da graça, já nas Oitavas de Páscoa do ano de São Patrício, o santo protetor da apropriação, como cunharia em cuneiforme o Caminha, que nunca desceu do navio e nunca foi pra aonde.
Marcos Leonel