J. Flávio Vieira
Uma
polêmica divide a classe artística do país: deve-se exigir ou não autorização
dos interessados, em casos de
biografias ? O Código Civil, atualmente,
reza que qualquer cidadão pode impedir a publicação de biografias a seu
respeito, se se sentir atingido na honra, boa fama ou respeitabilidade ou se se
destinarem as biografias a fins comerciais. Atualmente, existem impedidas de
publicação biografias de : Raul Seixas, Roberto Carlos, Guimarães Rosa. A Associação Nacional dos Editores de Livros,
no entanto, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma ADIN ( Ação Direta de
Inconstitucionalidade), justificando que a proibição das biografias não
autorizadas fere frontalmente o preceito constitucional da Liberdade de
Pensamento. Artistas se posicionaram, imediatamente, em falanges diferentes. Um grupo importante
chamado “Procure Saber” que inclui : Milton Nascimento, Erasmo e Roberto Carlos
,Chico Buarque, Caetano Velloso, Djavan, Gilberto Gil dentre outros, é frontalmente
contrário à ação; já o GAP ( Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música) que engloba
músicos como Frejat, Alceu Valença, Léo Jaime, Leoni e Dudu Falcão entendem que
as biografias devem ser produzidas sem necessidade de prévia autorização.
Não
sendo advogado, percebo que o embate não diz respeito, apenas aos simples
pontos levantados nas notícias : Direito à Privacidade X Liberdade de
Pensamento. Há , certamente, junto a tudo isso a importante questão do Direito
ao uso da imagem. Artistas célebres e famosos não se conformam, claro, que suas
vidas sejam expostas sem sua autorização expressa e, mais, alguém (biógrafos e
editores) lucre fartamente com isso , sem que nem um centavo cai na caixinha do
artista. Os defensores da liberdade
biográfica dizem que se o biografado se
sentir atingido de alguma forma, poderá ir à justiça em busca de indenizações
por danos morais ou por conta do uso indevido da imagem, sendo, no entanto,
necessário lembrar a lerdeza da justiça brasileira. Muitos, por outro lado, já
deverão ter falecido e já não terão voz para se defender e apresentar outras
versões mais palatáveis que as apresentadas pelos jornalistas. Além do mais, em caso de difamações ou
calúnias, a simples indenização não
cobre o dano terrível muitas vezes causado pela veiculação de uma notícia
escabrosa ( mesmo que verdadeira). Uma vez quebrado o colar de pérolas, já não é
mais possível refazer e montar todas as peças.
Se
a gente observar direitinho os dois grupos, são justamente os artistas
mais midiáticos e importantes do país
que se posicionam contra o liberou-geral. Certamente, são eles que mais têm a
perder nesta questão. Serão os mais biografados e suas vidas as mais
especuladas e dissecadas. Quanto mais podres encontrados : mais mídia, mais
polêmica e mais Best-Sellers.
Vou
meter minha colher nesse angu de caroço. Sinto-me a antítese do biografado.
Minha vida não daria sequer um cordel e empacaria a venda em qualquer
barraquinha de feira. Sem glamour, sem aventuras mais pitorescas, sem tramas rocambolescas,
percebo minha clara isenção para falar do melindroso assunto. Não há vida que
sejam livros abertos, amigos. Todos nós temos nossas páginas pregadas com goma
arábica no meio do tomo. Se escarafunchar mesmo não existem heróis nesse mundo
: nem santos, nem valentes, nem honestos sem máculas. Cada um de nós carrega o
Dr. Jekyll e o Dr. Hyde bem pertinho. Às vezes, um simples e mínimo defeito
físico nos tortura, uma deformidade de caráter, uma orientação sexual nos
atravanca a vida. Mesmo a Liberdade de Pensamento, como bem maior, tem lá seus
limites. É justo , por exemplo, em nome dela, estimular o preconceito? Defender
o Nazismo ? Propalar o extermínio por fogo dos moradores de rua ? A privacidade
de cada um de nós é um Direito Sagrado. O que se passa na alcova e no banheiro
só a mim interessa. Ninguém tem o direito de invadir este espaço, sem meu
franco consentimento e tornar públicos segredos que só a mim interessam. Isso
não é Bulling ?
As
histórias trágicas envolvendo até mesmo Memórias de Família são corriqueiras.
Pedro Nava, o maior memorialista brasileiro, fala da quantidade de inimigos que
arranjou na própria parentada, quando começou a traçar o perfil pouco abonador de
alguns ascendentes. Recentemente, um escritor na região , num livro sobre a sua
vida, mostrou uma visão própria e desabonadora do próprio pai: foi motivo
suficiente para a intriga de irmãos e sobrinhos. Imaginem tudo isso escrito por
terceiros e, mais: além de chafurdar na
latrina ainda ganhar dinheiro com isso?
Como vocês reagiriam lendo a biografia do pai ou avô com detalhes
sórdidos de crimes cometidos, de trapaças realizadas às escondidas, de distorções
sexuais impensáveis , mesmo que sabidamente verdadeiras ?
Há
países de primeiro mundo como França, Estados Unidos, Reino Unido e
Espanha onde as biografias não
autorizadas são permitidas, mas as indenizações são prontas e rápidas àqueles
que sofreram algum tipo de difamação. Aqui, o destino dos caluniados e
difamados seria seguir uma procissão
enorme de recursos a processos, enquanto o esterco espalhava-se ventilador afora.
Leis de primeiro mundo pressupõe-se sejam aplicadas com justiça do mesmo jaez.
Posso
parecer retrógrado, mas continuo defendendo que o diálogo entre mim e a latrina
não precisa ser filmado e veiculado como atração no horário nobre.
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