Onde se encontra a raiz do nome Cabirote? Não se acha com
facilidade. No dicionário há capirote que é uma espécie de pequeno capuz usado
por meninos e donzelas. E, também, o vocábulo capiroto (ô), que é de uso
informal no Nordeste para designar diabo, que se atribui seja uma variação de
capirote. Mas que Cabirote seja um diabinho nas capoeiras e margens do Rio
Siupé, lá isso muita gente tinha por observação.
Aquele menino que viveu solto e nu até onde as pernas
alcançavam e até onde as braçadas no rio iam. No contraponto de toda vergonha
conhecida, pois era justamente quando vestia um camisolão para que o menino
ficasse apresentável às visitas de outros lugares, que o desejo de esconder
havia. A nudez era sem timidez, mas a roupa humilhava.
Todos os seres das matas, vindos dos antecedentes mais
ancestrais que por transmissão oral houvesse, faziam parte do continente e
conteúdo do menino Cabirote. Raimundo Gomes de Lima, que adora um cará bem
tratado, feito na água grande, um caldo quente a borbulhar, farinha na tigela e
uma colher de encher a boca. E o suor pingando.
Jogo de bola no campinho da vazante do rio. Nunca se deixando
intimidar pela valentia de quem quer que seja, já que valentia não é fruto de
dar em árvore. Ela é como uma narrativa, acredita nela quem quiser. Cabirote
não teme as madrugadas pelas ruas desertas de Fortaleza na solidão de sua bike,
circunvagando o anel mais extenso da cidade.
Onde o “progresso” do Ceará ergue uma monstruosidade industrial
junto ao porto do Pecém, Cabirote é um ícone a mover todos os músicos e, por
isso mesmo, todos os artistas que são porque são, e não apenas porque a
circunstância lhes permite. Nas ruas do Pecém, nos palcos do Siupé, na praça de
São Gonçalo, nos bares de Paracuru ou sob as estrelas de um restaurante rural
na localidade do Capim Açu, nas franjas afastadas de Paraipaba.
E como um Eloi Teles nas ondas da Rádio Araripe na cidade de
Crato, Cabirote na Rádio Mar Azul FM (www.radiomarazul.com.br),
de Paracuru, todos os domingos, a partir das 8 horas da manhã vai carregando a
cultura nordestina até ao meio dia. E aí o segredo do povo: ele é tão querido
na redondeza que muitos o têm como da altura de um gigante. Um ser salvador da
nossa alma cultural.
Mas o segredo deste homem não está no palco. Na audiência de
terceiros. Ele é uma das mais legítimas companhias das noitadas de música. E
que música! A memória descomunal que este homem evoca. Em bem afinada voz, um
violão tão brasileiro como as noites de boemia que são apenas nossas. Não estão
nem em Paris e menos ainda nos becos de Buenos Aires. Alguma referência a Lapa
de outrora, a de hoje é bela, mas é outra coisa. Mais espetaculosa.
Deixe-se ficar nas horas passadas, uma canção após outra,
uma interpretação que vai ao miolo da questão. Deixe-se ficar ao som da melodia
sentindo a intimidade da madrugada, a singularidade das estrelas respeitosas,
das nuvens silenciosas que são vultos para não atrapalhar a singeleza do viver
como se deve viver a vida.
Raimundo Cabirote. Um artista sem limites de tempo, estilo e
qualificações. Um artista como bem resumiu o compositor Fausto Nilo ao ouvir o canto
de uma canção dele: “mas que voz mais linda!”
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