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Claudio Leal
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, não enfrentou resistências familiares para tomar a decisão de deixar o governo federal. Em conversa com Terra Magazine, a mulher do compositor e ministro, Flora Gil, revela o alívio: "Nossa! A Preta agradece, todos os filhos, o neto, todo o mundo."
No início da noite desta quarta-feira, 30, Gilberto Gil formalizou a saída do Ministério da Cultura para dedicar-se com mais intensidade à carreira artística. O secretário-executivo, Juca Ferreira, pode assumir a pasta em caráter definitivo. Flora avalia a escolha do marido:
- Eu achei mais tranqüilo pra vida dele, pra saúde também. Ele vai poder dormir um pouco mais, vai se alimentar melhor, cuidar melhor da música. Achei que estava na hora. Achei boa a decisão. Achei bacana.
Em 2007, Gil havia tornado público o medo da "perda de qualidade vocal", mas, a pedido do presidente Lula, aceitou permanecer no cargo. Agora, fez a opção final. E segue a turnê "Banda Larga Cordel".
- Ele lançou um disco e não tem como você lançar um disco sem divulgar. Pra isso, tem que se afastar... Então, não dá pra você fazer as duas coisas bem ao mesmo tempo - explica Flora.
Terra Magazine
Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)
Festejaram bastante os setenta anos da morte de Lampião. Uma festa parecida com o louvor a um mito. Todos parecem esquecidos do medo em que viviam os estados nordestinos, nos anos em que o cangaceiro reinou. Em Serra Talhada, onde ele nasceu, até pensaram em erguer estátua. Pode? Se na França cultuam a memória de Napoleão, porque negar esse direito aos conterrâneos de Virgolino Ferreira da Silva?
No Houaiss, bandido é o indivíduo que pratica atividades criminosas; pessoa sem caráter, de maus sentimentos. E também assaltante, bandoleiro, cabra, celerado, larápio, malfeitor, salteador e por aí afora. Por mais que a literatura de cordel e o cinema novo tenham lapidado uma outra imagem de Lampião, ele será sempre um bandido. Por mais que os sociólogos de esquerda como Rui Facó analisem as causas do cangaço, vinculando-as à fome, ao isolamento, à miséria da região, ao coronelismo e à política latifundiária, mesmo assim os cangaceiros continuarão bandidos.
No Brasil, tendemos a transformar bandidos em heróis, a simpatizar com salafrários que burlam a lei, enriquecem com o crime e sobem na vida a qualquer custo. Nenhuma comoção nacional aconteceu com a prisão de Daniel Dantas e seus asseclas. Ninguém saiu às ruas para manifestar-se, nem houve ameaças de linchamento como no caso da menina Isabella. Crimes de corrupção, mesmo que cheguem à cifra de dois bilhões de reais, são abstratos demais para os brasileiros. Gostamos do espetáculo do sangue e da carnificina.
A história de Lampião é um exemplo de que o Brasil globalizado ainda guarda resquícios do Brasil rural. Em 1926, Virgolino, acompanhado de seu bando, visitou a cidade cearense de Juazeiro do Norte, para se encontrar com grandes proprietários de terras, A Liga dos Coronéis, e receber a bênção do Padre Cícero Romão Batista, o Padinho Ciço. Os políticos, os latifundiários, o clero e os bandidos juntos, parecido com hoje.
A simpatia por Lampião se deve ao poder que ele alcançou desafiando autoridades e poderosos. Suas façanhas alimentavam o imaginário das pessoas que também sonhavam em romper com a miséria sertaneja. Mas Lampião nunca foi um herói como o lendário Robin Hood, roubando dos ricos para ajudar aos pobres. Sua crueldade só fazia distinção com os fazendeiros que pagavam para não serem molestados, nem terem as propriedades invadidas. Eram os coiteiros, protetores de criminosos e passadores de informações. Tudo igualzinho a hoje.
Quando visitou Juazeiro, além de receber armamentos, munição e a bênção do Padrinho, Lampião foi incumbido de ir ao encontro da Coluna Prestes e atacá-la. Mas ele tomou um rumo contrário ao dos comunistas. Sua vida era de bandoleiro e não de político. É falso politizar suas façanhas. Brigas de família por disputa de terras eram comuns naquele nordeste agrário e medieval. A escolha de Lampião pelo cangaço se deu por vários motivos, e não apenas por ele ter presenciado a morte dos pais. Centenas de cangaceiros entraram na vida errante, e não passaram pelo mesmo trauma.
O romancista russo Dostoievski criou um personagem que justifica o crime de assassinato cometido por ele, comparando-se a Napoleão. Bonaparte levou centenas de milhares de pessoas à morte, pilhando e destruindo cidades em nome de um sonho imperialista. A história o transformou em herói. É possível que as gentes nordestinas tenham enxergado em Lampião não o imperador expansionista que converteu a França ao seu delírio, mas alguém capaz de um grande feito: inverter a ordem do medo e do terror, assumindo o lugar de tirano. Se abstrairmos os discursos políticos, Lampião e Napoleão são metais do mesmo quilate. Afinal, bandido é o indivíduo que pratica atividade criminosa, segundo Houaiss.
Fale com Ronaldo Correia de Brito: ronaldo_correia@terra.com.br
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